03-01-2003

Em entrevista ao DN, Costa Macedo (Antiga Secretária de Estado da Família) diz que a actual provedora da instituição enviou um relatório sobre os escândalos de pedofilia ao seu superior hierárquico e reitera que continua a falar a verdade

Catalina Pestana conhecia abusos sexuais na Casa Pia

CADI FERNANDES - Tantos anos depois, não acha que errou ao admoestar o mestre Américo, que denunciou, em carta enviada ao ministro Morais Leitão em 16 de Junho de 1980, os abusos sexuais na Casa Pia?

- Não. Penso que foi um acto de coragem dele, mas, mesmo assim, hoje voltava a assinar o mesmo despacho a admoestá-lo pela sua iniciativa de se dirigir ao ministro Morais Leitão, que, aliás, me fez chegar a carta. O mestre Américo devia ter seguido os passos de Catalina Pestana, actual provedora da Casa Pia de Lisboa, que, também sabendo do que se passava, foi pela via hierárquica, isto é, apresentou uma exposição ao provedor. Catalina Pestana foi, entre 1975 e 1987, directora do Colégio de Santa Catarina, da Casa Pia, e os primeiros casos remontam, como se sabe, a 1973, 1975 e 1979. E Catalina Pestana, nessa qualidade, foi uma das responsáveis presentes na tomada de posse do provedor que substituiu Peixoto Simões, que eu afastei do cargo, depois das denúncias que me foram feitas pelos meninos da Casa Pia, por considerar que não fizera nada para alterar a situação.

- O que é feito da carta que o mestre Américo enviou ao ministro Morais Leitão?

- Ficou na Secretaria de Estado, arquivada, obviamente.

- Mas a sua sucessora, Leonor Beleza, disse no Parlamento que não encontrou ficheiros nenhuns sobre o caso quando chegou à Secretaria de Estado...

- Isso seria completamente descabido. Então eu deixava o cargo e vinha carregada de ficheiros para casa? É óbvio que ficou tudo no ministério, deixei lá todos os documentos, só fotocopiei alguns, nomeadamente relacionados com política de família e relatórios que foram feitos sobre a Casa Pia, a meu pedido, por assistentes sociais. Mas, como se extinguiu a Secretaria de Estado da Família, não sei se alguém teve interesse em fazer desaparecer alguns documentos...

- Era secretária de Estado da Família. O seu «chefe», na hierarquia do Governo, não soube de nada do que se passava na Casa Pia?

- Como é que tal seria possível? Como é que eu podia demitir o então provedor da Casa Pia, Peixoto Simões, em 1981, e nomear Baptista Comprido, sem explicar ao meu ministro, Carlos Macedo, o que me levara a fazê-lo? Isso cabe na cabeça de alguém? Vários jornais, incluindo o DN, divulgaram fotografias da tomada de posse, onde se podem ver, nomeadamente, Carlos Macedo e a agora provedora, Catalina Pestana.

- Quem fala verdade: Teresa Costa Macedo ou Jaime Gama? Disse que falou com o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros sobre as suspeitas que recaíam sobre o embaixador Jorge Ritto e ele negou...

- Quem fala verdade sou eu. Recordo-me perfeitamente de um dia, pouco depois de Jaime Gama tomar posse, em Junho de 1983, estar em casa e o telefone tocar. Era Gama e perguntou-me porque é que eu andava a «perseguir politicamente» funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros, uma vez que eu fizera parte do Governo do Bloco Central. Fiquei muito admirada e foi ele próprio quem referiu expressamente o nome de Jorge Ritto, um diplomata ligado ao PS.

- Ritto fez queixa a Gama sobre as diligências que tomara e que levaram a uma investigação na sua casa em Cascais, onde foram encontrados meninos da Casa Pia? O diplomata terá redigido algum relatório interno sobre o assunto?

- Eventualmente. Eu só sei que disse a Gama que não perseguia politicamente ninguém e, já agora, aproveito para dizer que acho muito estranho que ele já na altura não soubesse de nada porque Ritto era diplomata e outros diplomatas nacionais e estrangeiros estavam envolvidos no escândalo de pedofilia com meninos da Casa Pia. Quando Gama me telefonou, expliquei-lhe que Ritto tinha um gravíssimo problema na PJ, não expliquei abertamente qual era o problema, porque presumi que, sendo ele responsável da tutela, tentasse informar-se mais sobre o assunto...

- O assunto morreu aí?

- Não. Um mês depois do telefonema, Gama disse-me, desta vez pessoalmente, que, afinal, eu tinha razão. Eu, aliás, também cheguei a falar sobre o assunto com o assessor do professor Mota Pinto, Eduíno Gomes...

- Como é possível memórias tão contraditórias: a sua, cheia de pormenores, e a de Gama, sem quaisquer referências?

- Não sei e tenho muita pena que isto esteja a acontecer, porque, posteriormente, Jaime Gama fez todos os possíveis para que eu fosse eleita para o cargo de presidente da União Internacional dos Organismos de Família (UIOF). Ele chegou a encarregar João Quintela Paixão, alto funcionário do MNE, para coordenar a minha candidatura. Eu tomei posse no cargo, na Índia, em 1985. Ora, como a UIOF tem sedes em Paris e em Nova Iorque, o cargo, que ocupei durante 15 anos, tinha uma grande vertente internacional, que implicava longas permanências minhas no estrangeiro, portanto, afastada de Portugal...

- Para além de Jaime Gama, outro responsável, o antigo presidente Ramalho Eanes, veio a público desmentir a sua versão dos acontecimentos. Quem fala verdade?

- Eu, mais uma vez e o que me vale é que tenho boa memória. O que aconteceu, aquando da celebração dos 200 anos da Casa Pia, foi o seguinte: eu e o general Eanes íamos a caminho do refeitório, onde se realizaria o jantar comemorativo, quando nos pediram para respondermos a uma entrevista da RTP. Manuela Eanes e o meu marido, que nos acompanhavam, até ficaram na copa, na expectativa de que seria uma «entrevista» breve. À nossa espera, estava uma equipa da RTP e quatro meninos que começaram logo a fazer o relato da situação que se vivia na Casa Pia, nomeadamente sobre os abusos sexuais. Nunca chegou a ser emitida entrevista nenhuma, situação que, deontologicamente, considero muito incorrecta.

- Tinha um bom relacionamento com o general Ramalho Eanes?

- Sim, a relação era cordial, tanto mais que nunca fiz parte do grupo de apoiantes do general Soares Carneiro... Para além disso, a mulher do general sempre se interessou, como eu, pelas questões da infância, criando, em 1983, portanto já depois das denúncias que nos foram feitas pelos meninos da Casa Pia, o Instituto de Apoio à Criança (IAC).

- Voltando à entrevista...

- Para além de mim e do general Eanes, Soares Louro, personalidade muito conhecida ligada ao PS e um dos ex-casapianos ilustres, também ouviu o relato. Só tinha sido empossada há três meses e uma das primeiras sensações que tive foi que aquilo era uma espécie de «cilada», tendo em vista um ataque ao Governo da época. Ficou tudo gravado. Há, pelo menos, uma hora de gravação, mas nada foi noticiado, só foram divulgadas imagens do jantar comemorativo.

- Recentemente, na comissão parlamentar de inquérito, foi confrontada por um deputado com a eventual obrigação de ter voltado a falar sobre o assunto com o general Ramalho Eanes.

- Com efeito, para grande, enorme, surpresa minha, o deputado Narana Coissoró, do CDS/PP, dos mais participativos nas audições ao antigos responsáveis, perguntou se eu me tinha interessado sobre o seguimento do assunto junto do general Ramalho Eanes. Essa é uma pergunta muito curiosa, ou melhor, perfeitamente descabida, vinda de um emérito professor, que, conhecedor das regras da Administração Pública, devia saber que as dilegências se processam exactamente ao contrário.

- Ficámos com a sensação de que não disse tudo o que sabia na comissão parlamentar...

- Eu ia para lá com a convicção de que, como pedi previamente, as minhas declarações seriam prestadas à porta fechada. Mas fiquei muito surpreendida quando soube que seria à porta aberta. Achei estranha essa alteração. Eu queria contar tudo. Só não falei mais porque não foi à porta fechada como solicitei.

- Viu algumas das fotografias de homens influentes na nossa sociedade envolvidos em actos sexuais com menores da Casa Pia?

- Quando a polícia fez a busca na residência do embaixador Ritto, também estavam presentes quatro assistentes sociais. Na altura, apreenderam-se fotografias, dinheiros, material fotográfico. Deixaram lá a máquina fotográfica. As assistentes sociais mostraram-me depois algumas fotografias, porque envolviam a imagem de menores. Lembro-me de ter visto duas, reconhecido algumas pessoas. Achei tudo aquilo nojento. Era material verdadeiramente explosivo, mesmo para a época, e mandei que as provas fossem enviadas para a Polícia Judiciária.

- Portanto, muitas pessoas viram as fotografias: a senhora, o agente da polícia que fez a rusga, as assistentes sociais, os meninos envolvidos, os elementos da PJ, etc. Acha que as pessoas que estavam nas fotografias têm sido chantageadas?

- Eventualmente. Sobre isso, só pergunto: por que é que só agora apareceu aquele filme com os meninos a serem filmados pelo pediatra. De igual forma, muitas pessoas deverão ter na sua posse fotografias altamente comprometedoras e sabem perfeitamente os nomes dessas personalidades.

- O que é feito do polícia que fez a rusga em casa de Jorge Ritto?

- Não sei, lembro-me que, na altura, esteve desaparecido durante uns tempos e, depois de eu ter feito diligências junto de um responsável policial da altura,, foi localizado em Trás-os-Montes.

- Esta rede de pedofilia iniciada nos anos 70 acabou?

- Não, ao longo dos anos, foram-se renovando tanto violadores como violados.

Frases

« Deixei a carta que o mestre Américo enviou ao ministro Morais Leitão na secretaria de Estado, obviamente, bem como todos os documentos que diziam respeito à Casa Pia. Como é que podia demitir um provedor e nomear outro sem informar o meu superior hierárquico, o ministro Carlos Macedo, sobre os motivos? Só não falei mais na comissão parlamentar porque as declarações foram feitas à porta aberta, ao contrário do que eu tinha pedido. Muitas pessoas viram as fotografias em que várias personalidades surgiam em actos sexuais explícitos com menores da Casa Pia. E conhecem os seus nomes.»

CADI FERNANDES
ÍNDICE



Web Site testado com os seguintes browsers:
MS Internet Explorer 6.0, MSN Explorer 7.1, Lusitano 2001, Opera 6.01, Mozilla 5.0 e K-Meleon 0.6

[ Entrada ]   [ Editorial ]   [ Casos ]   [ Politica ]   [ Opinião ]
[ Apelos ]   [ Humor ]   [ Webmaster ]   [ Links ]   [ Versão 2002 ]

         

Copyright © Bot'Abaxo! All rights reserved.
Bot'Abaxo! © 1997 - 2003 -  Fundada em: 04-05-1997
Actualizada em: 03.Jan.2003
e-mail: [email protected]

««« Adicione aos seus Favoritos »»»