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07-01-2003
Polícia belga analisa ligações à Casa Pia
CADI FERNANDES
Foto: Arquivo DN-Leonardo Negrão
A Polícia belga «está a investigar se algumas das crianças expostas em cem fotografias apreendidas nas mãos de pedófilos, já detidos, são, ou não, alunos da casa Pia», revelou ao DN Adelino Granja, antigo aluno da instituição. Isto depois de se saber que algumas das crianças violadas na Bélgica eram oriundas da Madeira.
«Pretende-se agora saber se outras serão do Continente.» As fotografias, onde se vê, nomeadamente o padre Frederico, que chegou a ser acusado de pedofilia no nosso país, foram encontradas pela polícia no âmbito de uma operação de cariz internacional.
É esse mesmo cariz que Granja garante caracterizar a rede de pedofilia que, desde os anos 70, terá envolvido menores da Casa Pia. «É uma grande rede internacional.»
Mas como é que «desaparecem» crianças de uma instituição do Estado sem que nada seja feito para detectar a sua localização? O causídico, lembrando que algumas crianças do colégio Maria Pia chegaram a ser levadas para os EUA, na década de 70, por um cidadão americano, sem nunca terem regressado ao nosso país, apresenta o caso concreto do seu irmão.
«Um dos meus irmãos fugiu da Casa Pia em 1975, porque estava farto daquilo, e nunca ninguém quis saber para onde fora.»
Noutro contexto, o interlocutor do DN assegura que a comissão de ex-alunos da Casa Pia, de que faz parte, só está à espera de uma resposta do gabinete do primeiro-ministro para dar conta a Durão Barroso dos nomes das pessoas envolvidas em actos de pedofilia com menores da instituição, algumas «muito conhecidas», falando-se mesmo de um «actual governante».
PROCESSO. O DN teve acesso aos documentos respeitantes à passagem de «Bibi» pela Casa Pia e facilmente se conclui que beneficiou, ao longo deste tempo, de muitas ajudas, havendo quem se recorde que costumava garantir que tinha do seu lado um conhecido professor universitário, com formação jurídica, pelo que «nunca o apanhariam».
Aliás, em documento de 1 de Agosto de 1989, quando lhe fora instaurado um processo disciplinar, «Bibi», cuja formação nunca foi além do nível básico, dava conta, curiosamente, de profundos conhecimentos jurídicos.
No texto, invoca argumentos que, mais tarde, em Abril de 1991, haveriam de ser os mesmos usados pelos juízes do Supremo Tribunal Administrativo para ordenar a sua reintegração na Casa Pia.
No documento, dactilografado, ao contrário de outros, «Bibi» dizia: «A Nota de Culpa não localiza os factos no tempo, nem indica o modo como terão ocorrido.» Mais: «O arguido não conhece qualquer ordem de serviço interna ou outra norma expressa e inequívoca que proiba os funcionários da Casa Pia de falar com os alunos do Colégio.»
São afirmações discutíveis. O aluno que o denunciara, naquele ano, porque há outros testemunhos anteriores, explicou que «Bibi» o assediara, pela primeira vez, «no Estádio do Sporting» em 1988, dando-lhe «cem escudos». Também «falava com ele junto ao stand de carros Grana».
Por outro lado, várias foram as proibições. Numa delas, manuscrita a 7 de Março de 1985, o director do Colégio de Pina Manique escreveu: «Ex.º senhor Carlos Silvino da Silva, fica expressamente proibido de entrar na secção de Pina Manique e de frequentar as suas instalações.» Não passou de letra morta.
Como antes, a 21 de Janeiro de 1980, aconteceu, quando se decidira «proibir, a partir desta data, a entrada do referido elemento». A 27 de Agosto de 1981, o director do colégio emitiu outra proibição. «Esta ordem é uma de entre muitas iguais às que todos os anos foram feitas para o Bibi.»
Razão tinha um aluno, O., que, a 17 de Janeiro de 1980, testemunhara, por escrito, que Bibi lhe batera e lhe dissera «muita coisa como se fosse o director da secção Pina Manique».
Em causa está o comportamento de um jardineiro de segunda classe, que, a despeito de várias repreensões e multas, conseguia sempre «boas notas»: Bom (em 84 e 85) e Muito Bom (de 86 a 88).
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