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08-01-2003
Constituinte ignorou situação na Casa Pia
Ex-director do JN, Manuel Ramos, pediu informações que nunca chegaram. Factos graves em jornais de 1976
Tânia Laranjo
Virgínia Alves
Os alegados casos de pedofilia na Casa Pia de Lisboa remontam a 1976. Em Janeiro desse ano, o deputado socialista Manuel Ramos, ex-director do JN, solicitou na Assembleia Constituinte vários documentos sobre o funcionamento da instituição.
Na altura, Manuel Ramos quis saber se estaria a decorrer alguma reforma de fundo na instituição e se o Ministério dos Assuntos Sociais – Rui Machete titulava, à época, a pasta – pensava "ouvir, quanto ao futuro da Casa Pia, mormente quanto à vida da secção de Pina Manique, os antigos alunos, recentemente constituídos em conselho casapiano".
Meses depois, em Março de 1976, a dias do encerramento da Assembleia Constituinte, o deputado lamentou que o Ministério não tenha fornecido os elementos pedidos a 16 de Janeiro.
Na sua intervenção, referiu que, a partir do seu requerimentos, "vários jornais se ocuparam da preocupante situação que a Casa Pia atravessa", e que várias entrevistas e reportagens "trouxeram à luz do dia factos da maior gravidade e que, por essa razão, impõem ao Estado uma rápida e enérgica tomada de posição".
Títulos de jornais
Manuel Ramos deu como exemplo alguns títulos: "Mais de dois mil jovens ao deus-dará" ("A Luta", 29 de Janeiro); "Casa Pia de Lisboa: pior que antes do 25 de Abril" ("A Capital", 3 de Fevereiro); "Casa Pia de Lisboa: educar ou prostituir jovens?..." ("O Dia",25 de Fevereiro); "Instituição de assistência à beira do abismo da droga e da prostituição de menores" ("O Dia", 25 de Fevereiro); "Pina Manique – confusão em autogestão" ("O Dia", 27 de Fevereiro).
Fez ainda referência a um texto publicado no jornal "A Luta". "O próprio provedor – já demissionário – terá afirmado que 'neste momento a Casa Pia é uma amálgama de alunos que se viciam uns aos outros'".
O deputado esclareceu a Assembleia, dizendo que o requerimento, sem resposta, foi consequência de uma visita que dias antes fizera à Casa Pia. "O que vi chocou-me profundamente".
Ao JN, contou que foi à instituição a convite de um casapiano. "O que vi foi uma casa perfeitamente desleixada, abandonada, um cenário negro, que era uma consequência do período que vivíamos".
Na altura, prometeu a si mesmo fazer algo para melhorar a situação, para aumentar a segurança dos alunos da instituição.
Apresentou o seu pedido à Assembleia Constituinte, que nunca teve resultados práticos. "Nem sequer me deram uma explicação pela falta dos documentos", recorda.
Toda a gente sabia
"A minha preocupação é que aquilo não era homossexualidade colectiva, mas estavam a generalizar o problema", explicou o antigo deputado.
Salienta ainda que "toda a gente sabia que havia problemas de homossexualidade e prostituição na Casa Pia, mas que também era uma casa estupenda. A Casa Pia fez muitas obras em Portugal".
Na Assembleia Constituinte, Manuel Ramos bateu-se pelas instituições de educação, por exemplo, em Agosto de 1975, quando fez a defesa dos colégios, referindo que foi um dos muitos que frequentaram essas instituições.
De interno a administrador
"Fui interno no Colégio Barão de Nova Sintra, da Santa Casa da Misericórdia do Porto, durante oito anos, e, tal como eu, outros jovens frequentaram instituições idênticas, como o jornalista Cândido de Oliveira, casapiano", salientou.
Manuel Ramos foi mais tarde mesário da Misericórdia do Porto e, depois, regressou ao Colégio Barão de Nova Sintra, mas como mesário. Mais recentemente, foi administrador judicial do Terço, durante dois anos, aquando da descoberta de abusos às crianças da instituição (ver texto abaixo).
Recorda que, ainda como vice-governador civil, deparou-se com algumas situações graves em colégios do Porto. "Aí, também iam buscar rapazes para a prostituição. Entreguei o caso ao padre Maia".
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