15-01-2003

Má alimentação e ameaças de morte

C. F.

Sempre gostou de manuscrever o que lhe vai na alma. Adelino Granja, advogado e ex-aluno da Casa Pia, encontrou no papel o melhor confidente para as suas denúncias. Umas silenciosas, que guardava para si, outras públicas, que enviava para jornais. O DN teve acesso a todas.

Numa delas, intitulada «Manifesto», escrito a 8/1/80, dava conta dos problemas de saúde dos alunos decorrentes da «óptima alimentação que nos obrigam a comer». «Ou se enfarda no estômago o entulho que está no prato - mixórdia que por vezes enoja - ou nada se come...»

E adiantava: «Hipócritas sois também todos vós, funcionários, que contribuís directa ou indirectamente para que comamos aquilo que nem os cães tragam.»

A despeito disso, «somos martelados por não termos tido aproveitamento». Mas, «será que estamos profundamente enganados e a alimentação em nada influi no desenvolvimento psíquico?»

Noutro texto, intitulado «Violação dos Direitos do Aluno», escreveu sobre as ameaças de um funcionário, que chegou a provedor adjunto da Casa Pia. Questionava: «Será maior crime um aluno reprovar um ou dois anos do que um responsável por uma casa de educação querer matar um aluno, da mesma, a tiro?»

Em carta enviada ao Diário Popular, a 23/6/80, relatou a iminência de expulsão de vários alunos. «O educador que nos informou desta decisão superior colocou-nos perante duas alternativas: ou iríamos trabalhar para uma carpintaria ou sujeitávamo-nos a ser expulsos.

Esta última alternativa, o desemprego, daria origem à entrada de muitos alunos no campo da droga, prostituição e roubo.

Isto porque a experiência fala por si e não é por acaso que vários expulsos desta casa se encontram naqueles campos.»

Relatos das denúncias feitas a Ramalho Eanes e a Teresa Costa Macedo em 1980. Ontem, Adelino Granja e Pedro Namora, também ex-aluno, voltaram a encontrar-se com o antigo Presidente da República e estiveram no Parlamento para serem ouvidos pelo PS e pelo Bloco de Esquerda, apesar dos partidos da maioria terem chumbado uma audição parlamentar.