02-02-2003 - 00:00

NÃO TENHO NADA A VER COM PEDOFILIA

"Eu não tenho nada a ver com a pedofilia. Não tenho nada a ver com isto. Estou de consciência tranquila" – estas foram as únicas frases que Hugo Marçal proferiu quando, na madrugada de ontem, abandonou o Tribunal de Instrução Criminal, em Lisboa, acusado da prática de quatro crimes de lenocídio (instigação à prostituição).

Hugo Marçal recusa acusação
de instigar à prostituição

O ex-advogado de Carlos Silvino, ‘Bibi’, saiu em liberdade, mas, nos próximos dez dias, deve depositar uma caução de dez mil euros e, até ser julgado, terá de se apresentar, todos os sábados, às autoridades da cidade onde reside, Elvas.

Hugo Marçal foi detido às 21h30 de sexta-feira, pela Polícia Judiciária. Conta quem viu o que se passou que os dois agentes da PJ tiveram um extremo cuidado quando o abordaram. "Não quiseram dar espectáculo. Tocaram à campainha e apareceu a mulher.

O advogado – que já estava deitado, pois encontrava-se adoentado – pediu à mulher que solicitasse a quem o chamava que entrasse em casa. O agente declinou e informou-a que tinha batido no carro do marido."

Segundo a mesma fonte, Marçal vestiu-se à pressa e foi ver o que se passava. Foi então que descobriu que não tinha havido qualquer acidente e que um dos agentes lhe deu ordem de prisão, exibindo um mandato de captura assinado por três magistrados.

"Sem alarido, o agente pediu ao advogado que fosse buscar um casaco e que deixasse os telemóveis em casa. Foi isso que ele fez, ao mesmo tempo que a mulher perguntava aos agentes se iam algemar o marido. Responderam-lhe que não".

Após se ter despedido da mulher e do filho, Marçal entrou na viatura da PJ e de imediato rumou a Lisboa.

Chegou ao TIC cerca das 23h30. Por volta das duas da manhã foi presente ao juiz Rui Teixeira. Menos de meia hora depois tinha terminado o depoimento que prestou.

O CM sabe que o magistrado ouviu inúmeros "não" às questões que lhe colocou. O causídico assegurou que nunca tinha falado com Carlos Cruz, nem com o embaixador Jorge Ritto ou o médico Ferreira Diniz.

Garantiu, ainda, que nunca teve práticas pedófilas com nenhuma criança da Casa Pia nem colocou à disposição de ninguém uma vivenda da zona, cuja fotografia lhe foi mostrada e não identificou.

"Podem negar quantas vezes quiserem, porque eu é que sei. Não vou esquecer que o Carlos Cruz me disse que dos nove rapazes naquela sala eu era o mais bonito.

Até me lembro que foi na moradia de Hugo Marçal, em Elvas" , relatou "Girafa” ao ‘site’ Portugal Diário", um ex-casapiano que a referida publicação electrónica considera como uma das testemunhas-chave no processo de pedofilia da Casa Pia.

Marçal explicou também ao juiz que a primeira vez que viu Carlos Silvino foi quando a SIC exibiu imagens do ex-funcionário da Casa Pia. E que apareceu como defensor do alegado pedófilo, depois de ter sido contactado por uma pessoa que não identificou, que lhe perguntou se aceitava o caso.

Frisou que um dia depois dessa primeira abordagem recebeu dois telefonemas: um de ‘Bibi’ – em que este lhe pediu para ser seu advogado – e outro de Isabel Raposo, que se identificou como irmã do seu futuro cliente e se prontificou a arcar com as despesas.

Quando Rui Teixeira lhe perguntou se haveria alguém que lhe quisesse mal, Hugo Marçal apontou o nome de Isabel Raposo. E adiantou ao juiz que a cidadã holandesa prometeu-lhe que se vingaria se abandonasse a defesa do irmão, sublinhando que ela estava na disposição de arranjar um ou dois jovens que o iriam acusar de os molestar sexualmente.

O advogado afirmou que tal acabou mesmo por suceder na passada quarta-feira, quando uma equipa de reportagem de uma televisão lhe apareceu em casa com um jovem que o acusou de o ter violado há sete anos. Marçal negou ao juiz que tivesse feito fosse o que fosse a uma pessoa que nunca tinha visto, até à passada quarta-feira.

Às 2h30 da madrugada, Hugo Marçal foi levado do segundo para o terceiro andar do TIC, onde permaneceu até perto das sete da manhã. Nunca se cruzou com Carlos Cruz nem com Ferreira Diniz.

DOENTES ESTÃO CHOCADOS

“Os doentes estão chocados. Recebemos vários telefonemas deles a chorar, não acreditam. O João é muito bom homem; muito crente em Deus e está inocente”.

A confissão é feita por Maria Luísa Ferreira Diniz, mãe de João Ferreira Diniz, o médico que está detido preventivamente nos calabouços da Polícia Judiciária por suspeita de abuso sexual de menores.

Maria Luísa e as suas duas filhas foram ontem de manhã visitar João Fereira Diniz: “Ele está triste. Quando nos vimos abraçamo-nos muito”, conta a mãe.

O médico estava já no final do ano passado a ser investigado pelo Ministério Público e pela Inspecção-geral de Saúde por suspeitas de abuso sexual de menores. Sexta-feira foi detido e o juiz decidiu mantê-lo preso preventivamente.

A Ordem dos Médicos espera agora receber dados das autoridades para decidir se aplica uma sanção que pode ser a expulsão.

Dono de um Ferrari vermelho, João Ferreira Diniz tem 48 anos é solteiro e não tem filhos. Há vários anos que exerce no Centro de Saúde da Graça, em Lisboa, e numa clínica privada, da sua família, em Belém.

Camacho Costa e António Sala são dois dos doentes de João Ferreira Diniz. A tarologa Maya é também uma das clientes da clínica, onde a mãe de João faz tratamentos estéticos: “Faço tratamento com a mãe dele, e o João faz-me exames.

Não o conhecço bem. Mas sei que conhecia um rapaz da Casa Pia, o Ricardo, que vivia, aliás, em sua casa”, adianta Maya.

Maria Luísa, mais conhecia como Miu, explica: “A minha filha Margarida separou-se e começou a namorar com o Ricardo, que é ex-aluno da Casa Pia. Os dois foram viver para casa do João”.

A mãe do médico aproveita para recordar que na casa do filho viviam também dois dos quatro filhos de Margarida e “nunca houve problemas”.

A mãe e as duas irmãs, assim como o pai de João, que faleceu há 12 anos, trabalham na área de medicina e garantem que em comum têm também a crença em Deus. “Isto é uma injustiça. Mas vou entregar o caso a Deus”, diz.

Rogério Chambel / Catarina Guerreiro

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