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02-02-2003 - 00:00
Casos de Polícia
ESTOIROU!
(...) É preciso andar. Para que os culpados não fiquem impunes e inocentes não paguem o labéu da maledicência.
Quando anteontem à noite a SIC estoirou com os primeiros nomes de detidos na alegada rede pedófila da Casa Pia, de imediato me saltou a pergunta: E os outros?
É que dois dias antes conhecemos as declarações da dr.ª Catalina Pestana na Assembleia da República afirmando inequivocamente que já suspendera um pedófilo, que tinha ainda lá na casa mais alguns para correr, embora garantisse que a pedofilia na Casa Pia terminara.
A declaração é grave, ainda por cima produzida por uma pessoa a quem se reconhece elevada probidade, e tal denúncia só nos leva a esperar que, mesmo antes da provedora correr com eles, a polícia os leve rapidamente à presença de um juiz.
Dito isto, chegámos ao cerne da questão. A pedofilia, tal como hoje é percebida, tem uma componente de censura social que vai muito para além da censura penal.
É uma anátema, uma espada pendurada sobre a cabeça de alguém, mesmo que apenas indiciado pela prática dos crimes que se abrigam no conceito, que por mais anos que passem não deixa de perseguir que assim foi apontado. É ainda um estímulo ao boato. Ao alastramento de vinganças pessoais, ao exorcismo de ódios e de toda a panóplia de rancores.
Por tudo isto, julgo que a intervenção assídua do juiz num processo desta natureza seja a melhor forma de avaliar com segurança a prova que vai chegando ao processo e, simultaneamente, desfazendo boatos e verdades ínvias que condenam inocentes à fogueira pública.
Deve juntar-se a estas preenções a cautela com as vítimas e a extrema sensibilidade com que as sociedades contemporâneas começam a zelar pelos direitos das crianças para que se exija uma justiça de rigor, uma justiça célere, e a célere sujeição de um processo desta envergadura ao altar-mor da Justiça, que não é a polícia, nem o MP, nem o Juiz de Instrução, mas sim o julgamento. E para isso é preciso andar.
Para que os culpados não fiquem impunes e inocentes não paguem o labéu da maledicência. E é preciso perceber. Perceber a rapidez com que a Ordem dos Médicos rapidamente actuou sobre os médicos suspeitos e louvar o facto.
Como a provedora da Casa Pia actuou sobre os pedófilos e louvar o facto. Perceber porque é que o Ministério dos Negócios Estrangeiros ainda não actuou sobre o diplomata de que mais se fala e ter pena de um ministro tão distraído.
Perceber se a Ordem dos Advogados, agora que o seu filiado Hugo Marçal mudou de estatuto, passando a arguido, ainda vê incoveniente em que o homem fale, nem que seja invocando a sua defesa.
Porque ninguém tenha dúvidas. É tão raro um advogado solicitar o que ele solicitou à Ordem que, ou muito me engano, ele detém talvez a mais importante chave para desvendar este processo.
Finalmente, exigir que a Justiça não esqueça ninguém.
Seja quem for, seja qual for a qualidade, e que se meteu nesta vergonha pedófila. Porque aqui, existe uma eticidade radical. Não pode haver pedófilos impunes.
Precisamos de saber quem são. Em nome da dignidade das crianças ofendidas, em nome da dignidade de outras crianças que podem ser ofendidas.
E também para que a gente possa reaprender, e não esquecer, que todos aqueles que ficarem presos ou em liberdade provisória só deixarão de ser inocentes quando o seu caso transitar em julgado.
Até lá, que nem polícias, nem magistrados, nem jornalistas desmontem a guarda. Para que amanhã não sintamos mais vergonha do que aquela que hoje já sentimos.
Francisco Moita Flores, Criminologista
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