02-02-2003

A OPERAÇÃO RELÂMPAGO DA PJ

Efeito surpresa

A detenção de Carlos Cruz só muito dificilmente poderia ter corrido melhor à PJ. Do ponto de vista mediático, a operação foi (quase) perfeita. Sem perturbações, nem obstáculos.

É isso que justifica a hora e o dia escolhidos - às 22 horas de uma sexta-feira. Não foi, certamente, por acaso. Nessa altura, os jornais já estariam (previsivelmente) fechados e as forças policiais trabalhariam sem pressão.

Sobravam as televisões e as rádios, mas aí prevaleceria, como sucedeu, o efeito surpresa. Só assim se explica que Carlos Cruz tenha sido detido no Algarve, quando passou o dia todo em Lisboa. Queriam prendê-lo, mas só a partir de uma certa hora.

Quando a notícia da sua detenção foi conhecida, permitindo que a maior parte dos jornais, entre os quais o DN, corrigisse as suas manchetes, e a SIC interrompesse a emissão do Bómbástico, já a PJ o tinha transferido para Lisboa, para que ele fosse ouvido durante a madrugada.

Algo que não é habitual. Recorde-se o que aconteceu a Braga Gonçalves, a Vale e Azevedo e a Pimenta Machado, todos eles ouvidos apenas no dia seguinte. Quando a maioria dos portugueses acordou, tudo tinha terminado.

OS DIAS ANTERIORES ÀS DETENÇÕES

Encontro com PGR

Carlos Cruz esteve quarta-feira reunido com o procurador-geral da República, num encontro realizado a seu pedido. Ao que o DN apurou, o apresentador estaria preocupado com notícias a seu respeito que uma estação televisiva se preparava para apresentar. Por isso delocou-se às instalações da Procuradoria logo na segunda-feira, mas Souto Moura só se dispôs a ouvi-lo dois dias depois.

Pelo que se pôde ver com as detenções, a conversa não terá tido nenhum efeito no processo de investigação, pese embora, há cerca de dois meses, Souto Moura ter anunciado que não havia nenhuma suspeita concreta sobre o apresentador.

No entanto, foi só nesse dia que começou o trabalho de investigação realizado por uma equipa de três magistrados que o próprio responsável pelo Ministério Público se encarregou de formar.

Nas diversas intervenções públicas que tem feito desde então, Souto Moura já frisou que os magistrados «estão a fazer o possível e o impossível para que tudo o que diga respeito à Casa Pia seja investigado até ao último pormenor».

Sobre a hipótese de o caso envolver figuras públicas, o magistrado não foi menos taxativo: «Todos são iguais perante a Lei e comigo isso será uma regra intocável. Ninguém ficará impune.»

AS HORAS DA CAPTURA

'Deixem-nos em paz'

Sexta-feira, 22.30 horas de uma noite muito fria. Carlos Cruz, acompanhado pela mulher e pela filha, estaciona a viatura, em Quarteira. Quando saiu do carro, é discretamente interceptado pelo comandante do Destacamento da Brigada de Trânsito da GNR de Albufeira, alferes Pedro Fialho.

O apresentador está «absolutamente calmo» e «não oferece resistência», quando lhe lêem o mandado de captura. A BT entrega-o à PJ. Missão cumprida! Na Quarteira, ninguém se apercebeu de nada.

Sábado, 3.00 horas: os jornalistas dão voltas e voltas à avenida onde Carlos Cruz fora detido, até que surge, no meio de um labirinto de prédios, o edifício da família da mulher. Não se vislumbra uma única luz acesa e a porta da rua está fechada.

Um quarto de hora depois aparece uma viatura da GNR. Os termómetros marcam seis graus.

Às 9.55 horas, Raquel, a mulher de Carlos Cruz, sai da garagem do prédio onde moram os seus pais, ao volante de um jipe BMW. Dirige-se a Lisboa, acompanhada pela mãe, que volta a cara, perante uma câmara da televisão. Revoltado, o pai de Raquel explode: «Porquê é que estão aqui? Deixem-nos em paz!»

«Está tranquilo, pois sabe que é inocente»

Carlos Cruz, mesmo preso, continua com o bom humor que lhe é característico. Segundo a ex-mulher, Marluce, «ele diz que até gosta da cela».

É o facto de saber que «está inocente» que dá esta tranquilidade ao conhecido apresentador de televisão «enclausurado», desde a madrugada de ontem, nos calabouços da Polícia Judiciária, em Lisboa.

Embora o primeiro impacto, após a detenção, tenha sido negativo, Marluce disse aos jornalistas que o ex-marido «está óptimo. Calmo e tranquilo. É inocente».

As visitas excepcionais da mulher e das duas filhas (para entregar medicamentos) em muito contribuíram para a atitude positiva com que o apresentador está a encarar a sua detenção. Mas Marluce não tem dúvidas: Carlos Cruz está consciente do ambiente que se vive no exterior da sua cela.

«É um homem com 60 anos. Vive há 45 nesta profissão e sabe que é uma figura pública», disse, adiantando que os amigos se têm revelado bastante solidários.

Isso mesmo confirmou Raquel, a actual mulher de Carlos Cruz. «O meu telefone não pára de tocar», afirmou, acrescentando que ao falar com o marido pelo telefone sentiu que estava cansado, mas «muito forte porque sabe que está inocente». E não é único a ter essa consciência.

Carlos Matos, que trabalha com Carlos Cruz há 12 anos diz: «Se o Carlos é pedófilo, então, eu também sou». E não hesita em dizer que existe uma «cabala» contra o apresentador. Uma ideia generalizada a muitos outros amigos.

Já entre o cidadão comum as opiniões divergem. Se uns põem «as mãos no fogo» pela figura pública, como é caso de Rudolfo Marques, que um dia vendeu uma enciclopédia a Carlos Cruz, já outros, como Etelvina Martins, empregada fabril, acreditam que é culpado.

«Acho que o Carlos Cruz é culpado, senão não teria sido detido. É um mentiroso. Devia ter contado a verdade logo no início», diz, acreditando que o apresentador se preparava para fugir. «Não há coincidências, não há aviões de Faro para o Brasil todos os dias.»

Também um habitante de Quarteira, onde se deu a detenção, acredita que «onde há fumo costuma haver fogo». No entanto, custa-lhe a «crer que um homem destes, quase um nome intocável, esteja envolvido num escândalo desta natureza».

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