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03-02-2003 - 00:00
A REBELDE ISABELINHA
"A minha Isabelinha [Isabel Raposo] sempre foi uma rebelde” - a frase é de Amélia (nome fictício), a educadora que durante quinze anos chamou filha à irmã de Carlos Silvino, o alegado pedófilo da Casa Pia. “Recebi a Isabel com três meses e, dois anos depois, a mãe de ambos, Madalena, entregou-me o Carlinhos.
Carlos Silvino e a irmã Isabel numa das quintas onde pas- savam férias
Tinha nove meses e ficou comigo até ser encaminhado para a Casa Pia, assim que completou seis anos. Ainda hoje tenho na cabeça os gritos aflitivos – Ó mamã, não me deixes – e o choro compulsivo dele nos longos corredores do Colégio Nuno Álvares, quando nos separámos”, recorda Amélia, triste com tudo o que se está a passar com o ex-funcionário da Casa Pia.
“Nunca me disse nada desta história da pedofilia. E pouco tempo antes de ele ter sido preso telefonou-me a dar-me os pêsames pela morte da minha mãe. Quero ir vê-lo, mas pretendo fazê-lo na companhia de um sacerdote. Desliguei a televisão quando o vi ser preso”, frisou.
Amélia ainda não tinha vinte anos quando, “numa manhã cinzenta e fria de um dia de Maio de 1954”, abriu a porta da Casa de Santa Maria, em Lisboa, “ali na Rua Passos Manuel”. “Apareceu-me uma senhora dos seus vinte e poucos anos com um bebé nas mãos. Era a Isabel. Encaminhei-a para a directora da instituição.
Madalena explicou-lhe o que se passava: que era empregada doméstica e não tinha meios de criar a filha. Isabel ficou na instituição e foi-me entregue. Algum tempo depois já me chamava mamã e eu a ela tratava-a por minha filha”.
Dois anos depois, Madalena voltou a bater à mesma porta. “Dessa vez o bebé era mais crescido. Tinha nove meses. Fiquei com ele durante seis anos.
Tal como Isabel, também me passou a chamar mamã. Ainda hoje o faz, sempre que me telefona. Era uma criança dócil, muito meiga e com um coeficiente mental baixo, de acordo com os testes que fez na Santa Casa da Misericórdia.”
Nos seis anos que cuidou de ‘Bibi’ e ‘Isabelinha’, Amélia percebeu o quão unidos eram os dois. “Gostavam muito um do outro. Quando o Carlos teve de deixar a casa - que era só para meninas - a Isabel sofreu imenso. Só deixou de fazer chichi na cama aos onze anos.
Perante tanta amizade, fiz questão de que estivessem juntos todos os fins-de-semana. Por vezes, a mãe de ambos visitava-os. Madalena, todavia, sempre ligou mais à Isabel do que ao Carlos. Ele sentiu isso, e também nunca ligou muito à mãe.”
À medida que crescia, o carácter indisciplinado de Isabel começou a evidenciar-se de tal modo que acabou por ser afastada da instituição que a acolheu. “A fundadora da casa não aguentou mais a sua rebeldia e mandou-ma entregar à mãe. Tinha 15 anos. Nessa altura, Madalena estava junta ou mesmo casada com o patrão da casa onde servia.”
A educadora, no entanto, não perdeu o rasto da irmã de Carlos Silvino. “Sei que continuou a estudar. Aos 18/19 anos foi para a Holanda. Acabou por casar-se com um comandante da marinha mercante holandesa, de quem teve dois filhos.
Continuou a comunicar com o irmão, que a visitou algumas vezes. A mim é que nunca mais me disse nada. Acho que ainda hoje me culpa de ter ficado sem amigas por ter sido eu quem a foi entregar à mãe.”
Octávio Lopes
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