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04-02-2003 - 03:33
FOMOS ENGANADOS 27 ANOS
"Olhe, foi ali no sofá que o Joel diz que foi violado pelo Bibi", disseram ontem ao CM, Humbelina e Hermínio Novado, residentes em Vila Viçosa, ambos ainda em "estado de choque" com o que está a suceder com uma pessoa a quem consideram como um filho adoptivo. "Enganou-nos durante 27 anos", acrescentaram com as lágrimas nos olhos.
João Barata
Humbelina, de 58 anos, e Hermínio, de 63, conheceram o alegado pedófilo da Casa Pia por intermédio do filho José Paulo, que faleceu há poucos anos.
"Encontrou-o uma vez em Lisboa, quando o meu José foi fazer umas análises por causa da tropa e andava à procura de um quarto.
Um dia convidou-o a aparecer aqui por Vila Viçosa. Foi há 27 anos. A partir daí, Bibi passou a frequentar a nossa casa. Pelo menos dez vezes por ano. Vinha às festas", lembra Hermínio, electricista na Câmara Municipal.
Sobre o dia - "penso que em Agosto de 2001" - em que alegadamente Carlos Silvino violou Joel, Umbelina diz que nunca mais o esqueceu e que até já relatou tudo à Polícia Judiciária. "Apareceu aqui com o miúdo. Fiz a cama do Bibi ali na cozinha e preparei um sofá-cama para o Joel na sala. No meio, como podem ver, está o nosso quarto, que tem duas janelas: uma para a cozinha e outra para a sala. Deitámo-nos todos perto da uma da manhã. Se a violação aconteceu durante a noite, nós não demos conta de nada.
O gaiato não chorou. Nada de nada. A não ser que aquilo já tivesse sucedido mais vezes e ambos procurassem não fazer o mínimo de barulho. No início, tinha dúvidas. Hoje em dia já nem sei o que dizer. Se calhar fez mesmo mal ao miúdo".
Mas não foi só com Joel que Carlos Silvino apareceu em Vila Viçosa. "De vez em quando aparecia com mais. Dizia que eram da banda da Casa Pia. Mas só cá dormiu com o Joel", refere Umbelina, frisando que, no tocante a namoradas, não lhe conheceu "uma".
"Na minha casa nunca cá esteve nenhuma. Nem nunca nos disse que tinha mãe, pai ou irmãos. Afinal parece que tem mãe e uma irmã na Holanda. Ele dizia sempre que nós é que éramos a família dele."
Em Vila Viçosa, Hermínio tem sofrido algumas consequências por ter sido ele quem apresentou 'Bibi' às gentes da terra. "Antes disto acontecer, todos o adoravam. Agora nem o podem ver. E já fui insultado muitas vezes.
Só não matei já uma pessoa, porque fui travado no último instante quando a ia mandar de um segundo andar para a rua. O que é que lhe dizia se o visse agora na minha frente? Perguntava-lhe porque é que nos enganou ao longo de tantos anos.
Mas se ele cá voltar, nunca mais será como era dantes. Telefonou-me antes de ser preso a dizer-me que o que se dizia dele era tudo mentira. Já não acredito nisso"
DESILUSÃO EM SÃO ROMÃO, A ALDEIA QUE ADOPTOU BIBI
Em São Romão, aldeia a pouco mais de 10 quilómetros de Vila Viçosa, Carlos Silvino contava por amigos os pouco mais de mil habitantes.
Agora, é considerado como um monstro. Ao longo de quase três décadas, o alegado pedófilo da Casa Pia nunca perdeu as festas em honra de São Romão (15 e 16 de Agosto) e era adorado por todos.
"Sempre que aparecia era uma alegria. Por vezes, vinha acompanhado por crianças da Casa Pia. Todas as pessoas gostavam dele.
Prova disso é que foi convidado para inúmeros casamentos e baptizados", conta Fátima Andrade, a funcionária da Junta de Freguesia local, responsável pela primeira aparição de José Carlos da Silva ‘Bibi’ em São Romão. "Nunca nos disse que se chamava Carlos Silvino", observa.
José Figueiredo, de 35 anos, foi uma das pessoas que admirava e privava com ‘Bibi’. "Até o convidei para o meu casamento. Era aquilo a que se pode chamar um tipo porreiro.
Estava sempre pronto para animar a malta. Nas touradas, chegou a tocar corneta. Agora nem quero pensar que aquele monstro andou com o meu filho ao colo. Felizmente, nunca lhe fez nada."
Gabriela e Pedro também fizeram questão de convidar ‘Bibi’ para o casamento. "Depositávamos nele toda a confiança. Nunca faltou ao respeito a ninguém", assegura Gabriela.
Dos inúmeros habitantes com quem o CM conversou, apenas Filipa Andrade, sogra de Gabriela, sabia que ‘Bibi’ tinha uma irmã.
"Falou-me uma vez dela. Disse-me, apenas, que estava no estrangeiro. Depois do que aconteceu, nem me quero lembrar que ele chegou a dormir na minha casa."
Octávio Lopes
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