04-02-2003

"Só queria poder olhá-lo nos olhos"

Elemento chave no alegado envolvimento de figuras públicas em casos de pedofilia sob ameaça de morte

ELMANO MADAIL

"O último telefonema foi no dia em que prenderam Carlos Cruz. A primeira vez, quando tudo isto começou, disse que queria ajudar-me a sair do país e que não contasse nada a ninguém, um homem qualquer, que não se identificou, com sotaque lisboeta, de meia-idade e palavras caras, mas que garantiu que eu o conhecia.

No segundo telefonema, disse que não pretendia pressionar-me, que queria dar-me mais algum tempo, e encontrar-se comigo, nem que fosse no estrangeiro, mas que me calasse.

No terceiro telefonema, quando o Carlos Cruz foi preso, já disse que, se dissesse alguma coisa a alguém, eu só sairia deste país com os pés para a frente".

Aterrorizada, na fímbria dos nervos que ansiolíticos prescritos pelo psiquiatra adormecem e lhe suavizam, também, a raiva imensa que a acomete, Teresa Fernanda Correia Cruz – peça chave no alegado envolvimento de Carlos Cruz nos casos de pedofilia com casapianos ocorridos num apartamento de Cascais pertencente ao diplomata aposentado Jorge Ritto – jura não reconhecer a voz desse homem que lhe pediu, ao telefone, "para que compreendesse a situação dele, que é um homem diferente daquele que era há mais de 20 anos, quando estávamos no apartamento de Cascais, que hoje é casado e com filhos".

Teresa Cruz não suporta mais a hipocrisia daqueles que jura ter visto, quando criança, a partilhar os favores sexuais dos seus colegas casapianos, a que chama "irmãos".

Acossada pelos media, incompreendida pelo marido, de que tem dois filhos de tenra idade, desprezada pela sogra de lucidez precária, Teresa Cruz emagreceu cinco quilos em apenas uma semana.

Busca na prateleira da cozinha – cujos vidros foram partidos por gente alheia num acesso de fúria alcoolizada – os comprimidos paliativos, e não chega a beber a água, porque lhe escorre pelas mãos demasiado trémulas para segurar um copo.

Senta-se, pede um cigarro, e chora. Outra vez, fios de mágoa pura, enquanto olha para a ponte de que já pensou em atirar-se. Por mais de uma vez.

"Olhe", diz, esboçando um sorriso amargo, "eu compreendo o sofrimento da mulher de Carlos Cruz... Mas a ele, que vi chorar na televisão, só queria poder olhá-lo nos olhos por alguns segundos. Só uns segundos. E talvez lhe perdoasse ter roubado a infância aos meus 'irmãos'".

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