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04-02-2003
Tensão em interroga tório de sete horas
Apresentador Carlos Cruz e médico João Diniz indiciados por alegadamente usarem casa do advogado Hugo Marçal para encontros sexuais com crianças
Carlos Tomás e TÂnia Laranjo
Ao fim de sete horas de intenso interrogatório, um Toyota Corolla branco saiu a toda a pressa do Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa. Lá dentro, seguia o conhecido apresentador de televisão Carlos Cruz, rumo ao estabelecimento prisional anexo à PJ. Eram 6.34 horas.
Cinco minutos depois, a Polícia voltava a sair de rompante, com o médico João Ferreira Diniz. Passados mais 20 minutos, o advogado Hugo Marçal saía. Pelo seu pé.
Culminavam assim os intensos interrogatórios que levariam à prisão preventiva o apresentador e o médico. Foram-lhes imputados vários crimes de abusos sexuais, que reportam à segunda metade dos anos 90, e que envolvem diversos menores, alguns deles da Casa Pia de Lisboa.
Foi também detido, mas saiu em liberdade mediante prestação de caução de dez mil euros, Hugo Marçal, o ex-advogado de Carlos Silvino, conhecido por "Bibi".
As acusações contra ele têm a ver com uma casa em Elvas, que supostamente lhe pertence e que seria utilizada pelo apresentador e por outras personalidades em cenas sexuais com menores.
Hugo Marçal também terá sido confrontado com uma suposta ligação de amizade com Bibi, mantida ao longo dos últimos anos.
Carlos Cruz, João Ferreira Diniz e Hugo Marçal negaram, em tribunal, durante a madrugada de ontem, todas situações com que foram confrontados.
Alegam, no entanto, que a defesa foi prejudicada, por não terem conhecimento dos factos concretos que lhes eram imputados. Os três recusam, liminarmente, o envolvimento em qualquer rede pedófila.
Abusos continuados
A detenção de Carlos Cruz foi preparada ao pormenor. Os mandados foram emitidos pelos magistrados do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Ministério Público que, nos últimos meses, têm liderado as investigações.
O JN sabe que duas das procuradoras há muito que tratam apenas de casos de abusos sexuais envolvendo menores. A prova recolhida ao longo das últimas semanas foi também minuciosa.
As descrições fornecidas pelos menores que alegadamente foram vítimas de abusos– e que apontam Carlos Cruz e João Diniz como fazendo parte da rede pedófila – são tidas como rigorosas. Os depoimentos foram devidamente cruzados e a detenção do apresentador tinha sido equacionada há vários dias.
Os acontecimentos precipitaram-se depois de Carlos Cruz ter rescindido com a SIC. Para as autoridades, foi um sinal claro de que poderia estar a pensar fugir do país.
Ao juiz, o apresentador negou tal hipótese. De forma aparentemente pouco convincente, porque aquele foi um dos pressupostos utilizados para a aplicação da prisão preventiva.
O JN sabe, ainda, que os factos alegadamente passados há mais de 20 anos, quando alguns menores garantiram que Carlos Cruz era visita assídua da casa do embaixador Jorge Ritto (um dos nomes muito citados pelos ex-casapianos), não foram utilizados.
O depoimento de uma das menores encontradas na casa do diplomata, que garante ter visto as fotografias supostamente incriminadoras, não foi formalmente usado, por não haver enquadramento legal para o fazer.
O testemunho da menor aos advogados e ex-casapianos Adelino Granja e Pedro Namora (que têm recebido e encaminhado as denúncias desde que o processo Casa Pia foi espoletado) terá sido, no entanto, importante para que as autoridades reunissem indícios seguros da dimensão e da forma de operar da rede.
As acusações imputadas a João Ferreira Diniz dizem também respeito a abusos continuados de menores. O médico, dono de uma clínica na zona de Belém, estava alegadamente envolvido com Carlos Cruz. Em tribunal, negou qualquer situação de abuso.
Fomentar pedofilia
Hugo Marçal, por sua vez, está indiciado por fomentar práticas pedófilas. As autoridades garantem que um dos locais onde se davam os encontros era numa casa do advogado, em Elvas, e que há muito que Hugo Marçal e Carlos Silvino eram amigos.
Para a acusação, o advogado ganhava dinheiro e protagonismo com aqueles favores.
Durante o interrogatório a que foi sujeito, Hugo Marçal foi confrontado com uma fotografia da casa que alegadamente lhe pertenceu e que foi usada para os encontros sexuais com jovens.
O advogado negou liminarmente que a residência fosse sua, que soubesse onde ficava e que conhecesse, pessoalmente, o apresentador de televisão Carlos Cruz. Garantiu, ainda, que nunca tinha ouvido falar de Bibi, até ao dia em que deu a primeira entrevista à SIC, ainda antes de ser preso.
O JN sabe que será com base nesta falta de apresentação de indícios que será fundamentada a defesa dos três arguidos. Hugo Marçal e João Diniz, representados pelo advogado João Nabais, deverão recorrer das medidas de coacção, o mesmo acontecendo a Carlos Cruz, que é defendido por Serra Lopes.
Por sua vez, Hugo Marçal terá dez dias para prestar a caução que lhe foi determinada: 10 mil euros. Poderá fazê-lo em dinheiro, através de depósito bancário à ordem do tribunal; ou fornecer garantias, como hipoteca ou fiança.
Os prazos para a conclusão do inquérito também só agora começam. Carlos Cruz e João Diniz poderão ter de esperar um ano, até que a acusação do Ministério Público seja formalmente proferida.
Os interrogatórios aos detidos foram dirigidos pelo juiz Rui Teixeira, do 1º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal (TIC), e duraram quase sete horas. Os suspeitos começaram a ser ouvidos perto da meia-noite.
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