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04-02-2003
Reportagem no local
Ordem só espera que Hugo Marçal prove que a quebra de sigilo pode ajudar à sua defesa
pedro ivo carvalho *
* com Tânia Laranjo
hugo milhinhos
Hugo Marçal, o ex-advogado de "Bibi" que, anteontem à noite, foi detido (e posteriormente libertado mediante caução) no âmbito das investigações sobre pedofilia na Casa Pia de Lisboa, pode ver satisfeita a sua vontade em ver levantado o sigilo profissional.
Só tem que provar à Ordem dos Advogados (OA) que os dados que diz ter tido conhecimento enquanto defensor de "Bibi" são essenciais para a sua defesa enquanto arguido do processo.
A garantia foi dada, ontem, ao JN, por João Vaz Rodrigues, presidente do Conselho Distrital de Évora da OA, círculo ao qual Marçal pertence.
Manifestando algumas reservas em pronunciar-se sobre "questões hipotético-virtuais", Vaz Rodrigues sublinhou, contudo, que se o causídico lhe provar que as informações de que teve conhecimento enquanto advogado permitirem estabelecer uma conexão com o seu processo enquanto arguido – e se estiver em causa a sua liberdade individual –, dará provimento ao pedido de desvinculação.
"Não seria a primeira vez. É perfeitamente viável que o advogado apresente uma fundamentação que seja aferida", refere.
Vaz Rodrigues insiste na necessidade de se comprovarem todos os requisitos e afirma que, para atender a tal pedido, teria de "analisar facto a facto". No entanto, desabafa: "Será uma decisão complicada".
Essa é, aliás, a estratégia que Hugo Marçal deverá seguir nos próximos dias. João Nabais, o seu advogado, disse, ao JN, que deverá pedir rapidamente o levantamento do segredo, atendendo a que está em causa a liberdade do seu cliente. "Há um conflito de interesses que tem de ser resolvido", adiantou.
Sobre essa possibilidade, o vice-presidente da OA, João Correia, tem uma posição mais firme, ainda que delegue no Conselho Distrital de Évora qualquer decisão: "Os factos que ele conhece como advogado são absolutamente irreveláveis", diz, referindo que "o segredo profissional não é algo que se sustenta em função dos advogados".
Hugo Marçal tinha solicitado já o levantamento do sigilo profissional (após ter deixado de ser advogado de "Bibi"), com o intuito de revelar à PJ factos relevantes.
O pedido foi indeferido a 24 de Janeiro. "Se me desvincularem do sigilo vou revelar. Se não, vou morrer com o que sei", desabafou, na ocasião.
"O meu pai está deitado e indisponível para falar". Foi assim que o filho de Hugo Marçal recebeu a nossa reportagem, num curto diálogo, através do intercomunicador do prédio, o nº 2 da Rua Dr. António Pires Antunes, em Elvas.
Depois de uma longa noite de interrogatório, o advogado manifestava-se cansado e pedia para não ser perturbado pelos jornalistas.
Mesmo assim, numa curta conversa telefónica mantida com o JN, Hugo Marçal não escondeu a tristeza: "Não estou autorizado a falar sobre o processo. Ainda estou em estado de choque e só espero acordar amanhã e perceber que isto não passou de um pesadelo."
Pouco tempo em casa
Natural de Campo Maior, Marçal foi defensor de Carlos Silvino ("Bibi"), o primeiro suspeito de envolvimento no processo Casa Pia. Mas acabou por abandonar o patrocínio judiciário alegando pressões e ameaças de morte.
"Enquanto advogado de 'Bibi', recebeu pressões e ameaças e chegou a uma altura em que não aguentou mais. Isto são represálias por ter abandonado o caso. Foi algo montado para o prejudicar", comentou Paula Marçal.
Ex-professor do Ensino Básico, Hugo Marçal exerce advocacia, em Elvas, há apenas alguns anos.
Na vizinhança, a notícia da detenção do ex-advogado de Carlos Silvino caiu como uma bomba, porque nada fazia prever que Hugo Marçal pudesse ser indiciado num caso de pedofilia.
Marcelino Oliveira mora mesmo na casa em frente e tem, por isso, uma visão privilegiada sobre a frontaria do prédio. Nunca viu nada estranho, até porque a família pouco tempo passa em casa.
"Pessoa extraordinária"
Para o vizinho, "trata-se duma pessoa extraordinária e sem hábitos ou atitudes que levantem qualquer suspeita". A morar no Bairro de Santo Onofre há poucos anos, nunca Hugo Marçal "entrou em casa ou se fez acompanhar de crianças". Por isso, toda a gente teráficado "surpreendida com as notícias da detenção".
A versão é corroborada por Olinda Oliveira e Joaquim Generoso, salientando a primeira que "nem movimento de carros ou pessoas desconhecidas alguma vez se viu na rua".
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